O câmbio Powershift foi lançado pela Ford no nosso mercado em meados de 2013, com a missão de funcionar da mesma maneira que um transmissão automática convencional equipada com conversor de torque, sendo uma alternativa teoricamente um pouco mais acessível que essas, ao mesmo tempo em que passaria um maior conforto e confiabilidade que os automatizados de embreagem simples, bem comuns no mercado na época.
Projeto
Para tal feito, esse câmbio de 6 marchas tenta unir o melhor dos dois mundos, sendo que toda a parte de acoplamento de engrenagens é no modelo de uma transmissão manual convencional, porém o acoplamento ao motor é feito por um conjunto de duas embreagens, cada uma responsável por metade das marchas disponíveis, em uma sequência alternada.
Dessa forma, uma embreagem fica a cargo das marchas pares (segunda, quarta e sexta) e ré, enquanto a outra, das marchas ímpares (primeira, terceira e quinta), permitindo que, ao se estar com uma determinada marcha engatada, a próxima já está pré-engatada na outra embreagem. Assim, no momento da troca, uma marcha desacopla, enquanto a outra já está acoplando, quase que simultaneamente.
Além disso, esse câmbio trabalha com dois eixos concêntricos de entrada (um maçico e outro oco), com 3 marchas à frente cada; e dois eixos de saída, com duas relações finais no diferencial (uma para marchas 1, 2, 3 e 6; e outra para marchas 3, 4 e ré), sendo um conjunto bem compacto, ideal para veículos médios e até compactos.
Esse tipo de sistema, permite trocas muito rápidas, da ordem de 0,2 a 0,3 segundos e, o melhor, sem trancos. É um câmbio que, do ponto de vista do funcionamento, tinha tudo para ser o melhor de todos.
Além disso, por usar todo o sistema de engrenagens como em um câmbio manual, a transmissão Powershift tem um peso menor que uma similar, convencional de engrenagens planetárias, o que por si só, já é uma vantagem do ponto de vista da eficiência energética e economia de combustível (o fabricante fala em uma diferença de 8 a 10% ao comparar com uma transmissão convencional de 4 marchas).
Contribuindo também para uma maior economia em estrada, a sexta marcha tem função de Overdrive, ou seja, tem uma relação que favorece um menor giro do motor em velocidades de cruzeiro; ao mesmo tempo em que as outras 5 marchas têm relações um pouco mais próximas entre si, o que não deixa o giro do motor cair muito ao trocar de uma marcha para a outra, garantindo boa agilidade também em baixas velocidades.
Outra vantagem dessa configuração de dupla embreagem, é permitir, em caso de pane em uma das embreagens, o funcionamento em modo de emergência, com as outras marchas da embreagem que ainda funciona, sendo possível guiar o veículo com cuidado até a oficina, utilizando metade das marchas.
Lembrando que as embreagens possuem um sistema de regulagem automática, de acordo com o desgaste natural sofrido ao longo do tempo de uso, para que não haja diferenças de funcionamento e atuação, ao longo de toda a sua vida útil.
Apesar de toda a eletrônica embarcada, a alavanca de seleção de marchas ainda possui uma conexão física, por cabos de aço, com a transmissão.
Características técnicas
Sua resistência ao torque de entrada do motor é de 250 Nm ou 25,493 kgfm, e todo o sistema de troca de marchas é comando por uma central eletrônica dedicada, que aciona todo um conjunto de eletroválvulas atuantes nas embreagens e no seletor das marchas.
O volume de fluido para lubrificação de todo o sistema de engrenagens é de 1,8 litros, o que reduz muito os custos da manutenção preventiva, quando necessário sua substituição. Para tal, o dreno é bem simples, por um parafuso localizado em sua parte inferior, enquanto o abastecimento é feito por uma janela superior, também vedada por um parafuso de controle.
Falando em óleo, para essa transmissão, este deve atender à norma interna da Ford WSS-M2C200-D2.
As já citadas eletroválvulas, não são acionadas por óleo sob pressão, como ocorre em uma transmissão convencional, o que é outro motivo para reduzir muito a quantidade de óleo necessária para todo o sistema. Neste caso, seu funcionamento se dá por motores elétricos de corrente contínua, com sensores integrados para monitorar a posição das marchas, qual embreagem está acionada, dentre várias outras funções.
Estratégias de funcionamento
Neutro automático - Quando em marcha lenta e com os freios de serviço acionados, a transmissão entra em modo neutro (mesmo com a alavanca em "D"), desacoplando as embreagens para reduzir a carga no motor, diminuir o consumo de combustível e preservar a vida útil das embreagens. Ao soltar o freio, automaticamente a transmissão reassume o modo de condução Drive.
Assistente de partida em rampa - Os freios de serviço são acionados automaticamente em uma subida por cerca de 3 segundos, quando ainda não se está acelerando o suficiente para vencer o aclive. Isso aumenta a segurança ao arrancar com o veículo nessas situações, ao mesmo tempo em que evita esforço excessivo sobre as embreagens.
Controle preciso de embreagem - Em algumas situações de baixa velocidade e acelerações repentinas, as embreagens podem aplicar um leve deslizamento para amortecer esforços excessivos à torção, o que reduz o consumo de combustível e também de NVH (ruídos, vibrações e asperezas, ou do inglês: noise, vibration and harshness).
Preenchimento da lacuna de torque - Fornece transferência de torque suave entre as trocas de marchas, garantindo um maior controle do veículo em situações de variações abruptas do torque de entrada.
Para encontrar o melhor momento para fazer as trocas de marcha, a central eletrônica de comando dessa transmissão, leva em conta:
Velocidade do veículo;
Rotação do motor e posição da borboleta do acelerador;
Temperatura do motor e do ambiente externo;
Ângulo de direção do volante (para evitar trocar de marcha em curvas);
Posição do pedal de freio;
Pressão barométrica (quanto menor que 1 atm essa pressão for, menor será a potência do motor aspirado, portanto, o ponto de troca de marchas também será alterado).
Além disso, quando em modo de condução "D", a central eletrônica prioriza trocas de marchas um pouco mais lentas e suaves, visando uma maior eficiência energética e conforto à bordo. No entanto, ao adotar um modo de dirigir mais agressivo, automaticamente as curvas características de atuação são mudadas (ponto de engate de marcha e tempo de fricção das embreagens) para garantir mais desempenho.
Outra forma de manter uma condução de maior desempenho, é utilizar o modo "S", que por exemplo, vai manter uma marcha mais reduzida e fazer a troca por uma superior, só em rotações mais elevadas.
Essa transmissão também permite as trocas manuais de todas as marchas, pelos botões na lateral da alavanca, desde que selecionado o modo esportivo "S" (no modo "D" só é permitido mudanças manuais pelo botão de 1 a 5 marchas), mas é claro que o sistema pode interferir de forma automática, reduzindo uma marcha ao detectar um giro muito baixo do motor, ou subindo uma marcha ao chegar no limite de rotação, que é de 6500 RPM. Se tentar reduzir para uma marcha em que esta faça o giro do motor subir para além do seu limite de rotação, este comando também não será aceito pelo módulo de controle.
Para engatar a marcha à ré sincronizada (posição "R"), o veículo deve estar a uma velocidade inferior à 14,5 km/h, sob pena da central de controle também não aceitar a seleção dessa marcha.
Ao desligar o veículo e abrir a porta do condutor, se a alavanca estiver fora da posição "P", não será possível remover a chave da ignição (em veículos sem chave presencial), ou o acionamento do travamento elétrico das portas (em veículos com chave presencial), por medida de segurança. Além disso, em todas as situações, serão emitidos alertas sonoros e visuais no quadro de instrumentos para colocar a alavanca na posição de estacionamento "P".
Para situações de superaquecimento, existe também a estratégia de Hot Mode, que é determinada com base no torque do motor, sinais de velocidade de rotação dos eixos primários (maçico e oco), secundários e do motor, bem como o torque calculado de cada embreagem.
Dessa forma, caso necessário evitar uma temperatura que cause um desgaste excessivo nas embreagens, em um primeiro momento as trocas de marchas são realizadas de forma mais rápida, o que pode resultar até mesmo em alguns trancos e ruídos perceptíveis.
Essa estratégia é seguida de alguns alertas no quadro de instrumentos do veículo, sendo recomendável reduzir o ritmo da viagem ou até parar por um tempo, a fim de deixar o sistema refrigerar, o que também fará apagar os alertas.
Se a temperatura da embreagem ultrapassar os 300ºC, estas vão desacoplar por segurança, impedindo a movimentação do veículo.
Trava Park ou de estacionamento
Este câmbio é dotado de um sistema de travamento mecânico de segurança e emergência, no segundo eixo de saída, para quando o veículo estiver estacionado. Sua função é manter o veículo imóvel, caso o de freio de estacionamento convencional falhe.
Para o acionamento correto desse sistema, ao parar o veículo, deve-se, primeiramente, colocar a alavanca na posição neutro "N", acionar o freio de estacionamento, soltar o pedal de freio e, por último, levar a alavanca até a posição Park "P" (exatamente nessa ordem).
Dessa forma, o peso do veículo vai ficar sobre o freio de estacionamento, e não sobre a trava Park, e quando for dar a partida novamente, não ocorrerão trancos ou estalos altos, comuns quando se faz a parada de forma errada.
Relação de marchas
Marcha | Relação % | Transmissão final | Transmissão global |
Ré | 3,507 | 4,278 | 15,003 |
1 | 3,917 | 3,850 | 15,081 |
2 | 2,429 | 3,850 | 9,352 |
3 | 1,436 | 4,278 | 6,143 |
4 | 1,021 | 4,278 | 4,368 |
5 | 0,872 | 3,850 | 3,338 |
6 | 0,702 | 3,850 | 2,703 |
Ruídos característicos de funcionamento
Segundo o fabricante, é comum a ocorrência de ruídos metálicos duplos, no momento das trocas de marchas, bem como sentir leves trancos em manobras de baixa velocidade, ao engatar muito rápido a marcha à ré (posição "R"), seguido da primeira marcha (posição "D"), ainda mais se estiver mantendo o pedal do acelerador levemente pressionado.
Os ruídos e trancos também podem ocorrer com maior ou menor intensidade dependendo da temperatura do fluido da transmissão, ou seja, em decorrência de um maior ou menor tempo de uso, temperatura externa, exigência de carga, e vários outros.
Em situações de baixa carga ou substituição da bateria do veículo, ao ligar a ignição novamente. a transmissão irá entrar em modo de aprendizagem, criando uma série de ruídos mecânicos por aproximadamente 10 a 30 segundos, sendo que não se deve colocar o veículo em movimento durante esse período. Em vez disso, após o procedimento, deve-se desligar e religar a ignição, para que o câmbio volte ao ponto morto, se preparando para entrar em funcionamento normal.
Outra situação em que podem haver ruídos nas trocas de marchas, é quando se instala um kit de embreagens novo, pois este tipo de componente exige um tempo de amaciamento, conforme diz o fabricante.
Os ruídos e trancos mencionados serão ainda mais evidentes quando motor e câmbio ainda estiverem frios, reduzindo à medida em que as marchas são trocadas, já nos primeiros quilômetros. Ainda conforme o fabricante, essa transmissão possui um sistema de aprendizado, exigindo em torno de 1600 quilômetros para se ajustar ao kit novo de embreagens e cessar totalmente essas irregularidades de funcionamento.
Cuidados extras
Ao rebocar um veículo equipado com a transmissão Powershift, você deve se atentar para:
Rebocar o veículo sempre pela frente (eixo dianteiro)
A alavanca seletora deve estar na posição neutro "N"
Não se deve exceder a velocidade máxima de reboque de 20 km/h
Não se deve exceder a distância máxima de reboque de 20 quilômetros
Em caso de necessidade de recarga da bateria com o auxílio de outro veículo (popularmente conhecido como "enxerto"ou "chupeta"), deve-se manter os dois veículos ainda conectados por alguns minutos, após o procedimento, para que sejam dissipados os picos de alta tensão, que podem danificar o módulo eletrônico da transmissão.
Defeitos apresentados
Contudo, as inadequações de projeto e as medidas de redução de custos tornaram evidentes as limitações deste câmbio, incapaz de atender aos requisitos mínimos de durabilidade.
Uma gama abrangente de defeitos potenciais, como trepidações, patinações, desgaste precoce das embreagens, falhas e trancos durante as trocas de marcha, problemas de software, superaquecimento, paralisações repentinas e quebras prematuras, comprometeu sua confiabilidade.
Essas questões não se restringiram ao território brasileiro, estendendo-se também aos Estados Unidos, onde a frequência desses defeitos levou à instauração de uma ação coletiva por 1,9 milhão de clientes em 2017. Como resultado, a Ford foi obrigada a desembolsar aproximadamente US$ 35 milhões em compensações.
No Brasil, numerosas ações judiciais foram iniciadas por consumidores, culminando em uma multa de R$ 10,5 milhões aplicada pelo Procon-SP em 2021. Diante desse cenário, existem razões substanciais para evitar a aquisição de veículos equipados com esse tipo de câmbio.
Pelo menos, hoje em dia, existe um prazo de garantia estendida, ofertado pela montadora, de 10 anos ou 240 mil quilômetros rodados (o que ocorrer primeiro), contemplando os modelos New Fiesta, Focus e Ecosport, fabricados entre 17 de maio de 2012 e 15 de junto de 2015, dando cobertura para o módulo controlador, que em caso de pane, será feito a sua substituição gratuita em concessionária.
É importante ressaltar que essa garantia está condicionada ao diagnóstico realizado dentro da própria concessionária, para constatar que os defeitos apresentados no câmbio realmente provêm desse componente.
MAS E VOCÊ? Compraria um veículo equipado com um câmbio powershift?
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